A dialética dita o ritmo em “Ninfomaníaca”

Escrava dos seus próprios desejos, Joe é mais uma mulher trágica no catálogo de Lars von Trier


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Escrava dos seus próprios desejos, Joe é mais uma mulher trágica no catálogo de Lars von Trier

Em um beco à noite Joe, que está no chão toda machucada, suja e debilitada, é encontrada por Seligman, um homem mais velho e solitário, que logo a acolhe e a leva para seu apartamento para que ela possa se recuperar. Joe e Seligman começam um diálogo onde ela conta sua vida, como ninfomaníaca autodiagnosticada, desde sua infância até o episódio do beco, e Seligman no meio da história insere analogias para aquilo que está sendo contado, analogias essas que vão desde a pescaria até a religião, passando por culinário e nós em cordas. Essa dialética é o esqueleto de ‘Ninfomaníaca’.

A obra é dividida em dois volumes. No primeiro o sexo ganha um viés de experimentação, com Joe descobrindo sua vagina ainda criança e o prazer que se pode obter por ela; perdendo sua virgindade com Jerome, personagem importante na história; e entrando numa espécie de seita niilista que propõe o desprendimento do sexo e do amor, como também a morte desse segundo.

Já no segundo volume as coisas estão mais claras, e respostas que foram levantadas no primeiro volume agora são respondidas. Aqui o sexo que antes era algo divertido e interessante de se experimentar, passa a ser a derrocada de nossa protagonista Joe, que escrava de seus próprios desejos se coloca em risco por prazeres que não a satisfazem. Joe também perde o homem que ama e também o seu filho, tudo por causa de um apetite sexual que não cessa.

Sendo uma obra autoral, Lars von Trier coloca segredos, simbolismos e alegorias na história que faz com que o espectador pense em várias possibilidades para descobrir o que esse diretor quer transmitir com esse história.

O descobrimento da vagina

Quando Joe diz que descobriu sua vagina aos 2 anos de idade, é um pouco chocante. Como alguém tão jovem pode descobrir o seu sexo sozinha? Isso faz com que pensemos que ela pode ter tido a “ajuda” de alguém, e esse alguém pode ser o seu pai. Joe possui um amor muito grande pelo seu pai, evidenciado em vários momentos do primeiro volume da obra, ao mesmo tempo que possui um desprezo muito grande pela mãe. Isso me lembrou o conceito da síndrome de Édipo, da psicanálise de Freud. Ela também diz que quando criança gostava de ficar doente, tudo para ser cuidada sozinha pelo seu pai.

Preencha todos os meus buracos

Insaciável, após a perda da virgindade e a descoberta do sexo, Joe passa a ter uma rotina frenética de sexo onde nem ela mesma sabe o que busca. Sendo penetrada por diversos homens, por diversos pênis de diferentes cores, espessuras e comprimentos, diversas vezes por dia e por diversos ano, a protagonista não consegue preencher o seu vazio. Por mais que ela possua essa vida sexual, na hora da transa ela não parece estar presente. Como disse anteriormente, Joe participa de um grupo de mulheres que vão contra a ideia de que possa existir amor nas relações. Essa crença se dissipa quando reencontra Jerome e se apaixona por ele, e com isso consegue pela primeira vez fazer sexo com algum sentimento.

O pau é o meu castigo

No volume II, o sexo que Joe conhece não mais a satisfaz e por isso ela vai em busca de novas formas de sentir prazer. No volume anterior o sexo para Joe tem uma característica de descoberta, de experimentação juvenil; agora o sexo representa a sua derrocada. Joe acaba se colocando em situação bizarras, e até mesmo perigosas, tudo em busca do prazer, e todo gozo é o ponto de partida para novos desejos. Essa busca ocupa grande parte da rotina de Joe que acaba perdendo tudo, seu marido, seu filho, seu emprego. É uma escrava dos próprios desejos.

Ninguém pode se esconder

O segundo volume também possui um viés mais conservador, dividindo o mundo em certo e errado, as relações de Joe são colocadas no segundo grupo. Joe passa por uma fase de negação ao sexo, até que envolve-se com a personagem P. Por mais que P leve a história para um caminho menos interessante, ela é peça chave para o encerramento da obra, que finaliza com representações da nossa relação com o sexo, passando pela traição de alguém próximo; desespero por perder o controle sexual de alguém amado; e a objetificação de corpos sexuais. Todos parecemos viver pelo sexo.

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