Nas breves páginas do magistral “O jovem”, Annie Ernaux dá conta de uma miríade de temas e afetos ao rememorar o relacionamento que teve, aos 54 anos, com um estudante trinta anos mais novo. Como de costume, Ernaux nunca fala de uma só coisa ao escrever. No relato, a escritora francesa e vencedora do Nobel de literatura traz reflexões sobre o desejo feminino, o relacionamento entre pessoas de classes sociais diferentes, a passagem do tempo, a memória ― individual e coletiva ―, a escrita e o papel da mulher na sociedade francesa dos anos 1990.
Annie Ernaux confessa já ter feito sexo por muitos motivos diferentes, entre eles para se inspirar e escrever um livro (“Queria encontrar, na sensação de cansaço e desamparo de depois, motivos para não esperar mais nada da vida”). No entanto, a medida que ela vai conhecendo aquele jovem estudante, que já possuía uma namorada naquela época, o sexo passa a ser algo sublime, para além do simples desejo carnal.
O rapaz carrega um vocabulário e trejeitos herdados de sua vida humilde, e a escritora vai nos dizer que isso a teria afastado dele em tempos passados, pois não queria identificar em um homem os aspectos que lembrassem a sua também origem pobre. O fato de agora não se importar denota uma certa maturidade e, sobretudo, uma confirmação de que agora ela está em uma outra classe. A parte dominante está sempre confortável onde quer que esteja.
A autora levanta o fato da relação com o jovem estudante ser assimétrica, detendo ela o maior poder de decisão naquele relacionamento, seja por ele ser mais novo ou por depender financeiramente dela. Por causa disso ela se sentia autorizada a ser rude com ele, agindo de forma que ela nunca agiu com outras pessoas.
Uma jornada narcísica é confirmada pela própria autora ao dizer que aquele relacionamento era algo por conveniência, onde ele a proporcionava prazer, e ela o levava para viajar e lhe poupava de ter que buscar um emprego que o tornaria menos disponível para ela. Além do mais, estar saindo com um homem 30 anos mais jovem alimenta um ego faminto.
Mesmo tendo total juízo sobre a relação em que estava, Annie Ernaux não passou impune pelos olhos das pessoas que demonstravam estranheza ao ver uma mulher da idade dela saindo com um homem tão mais jovem. A autora levanta o ponto de que se fosse o contrário, um homem mais velho saindo com uma mulher mais jovem, ninguém sequer daria um simples olhar torto para o casal.
Mas a mesma autora também reconhece um etarismo da sua parte. Por que sair com um homem mais jovem e não com um da sua idade, que está em uma fase de vida muito mais próxima da sua? Porque estar sentada de frente a um homem mais velho em um restaurante a faz lembrar de que ela também está velha, e que a velhice está sempre relacionada à chegada da morte.
“O jovem” é mais um livro monumental de Annie Ernaux que segue o seu estilo de uma escrita ausente de sentimentalismos e que, justamente por isso, faz o leitor se identificar e se emocionar com a escritora francesa.
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