Deve uma mãe desejar que a filha seja aquilo que ela não pôde ser? Em “Sobre Minha Filha”, uma cuidadora de idosos sexagenária que construiu uma vida exemplar aos olhos da sociedade é obrigada a conviver com aquilo que ela mais abomina quando sua filha, uma professora universitária horista, passa por problemas financeiros e se muda para sua casa com a namorada, referenciada pela protagonista apenas como “aquela menina”.
Aos olhos dessa mãe, algum erro foi cometido ao longo da criação de sua filha, que hoje é uma profissional sem salário fixo e em uma relação que não gerará descendentes. A sexagenária se vê traída pela filha não seguir a vida que se espera, vida essa que a protagonista idealizou, que faria com que todo o trabalho que ela teve na sua criação finalmente tivesse um retorno.

Mas ao longo das páginas conhecemos não apenas a convivência forçada dentro daquela casa. A protagonista descreve a sua rotina de trabalho braçal no hospital em que possui Zen como sua paciente, uma idosa em idade avançada que não possui filhos, na verdade que não possui nenhum familiar.
A obra de Kim Hye-Jin trabalha a ambivalência da protagonista. A sexagenária não pode ser resumida apenas como uma homofóbica porque, assim como todos nós, ela assume vários papeis, e no seu trabalho como cuidadora de idosos vemos o seu cuidado com o outro, de corpo vulnerável, castigado pelo tempo. Presenciamos como a protagonista exerce um trabalho difícil, mal remunerado, muitas vezes neglicenciado. E ainda assim, tenta fazer da melhor forma possível as suas tarefas, e sendo uma verdadeira mãe para Zen, dando a ela um afeto que nega à própria filha; sentindo compaixão por Zen não ter tido filhos, ao mesmo tempo que cobra para que a filha engravide e construa uma família.
Essa ambivalência da personagem faz com que o leitor sinta uma mescla de sentimentos por ela. Ela deixa claro suas mais puras intenções e seu desejo para que a filha seja feliz – por isso a cobra tanto para que tenha uma família, algo que para a protagonista é essencial para se atingir a felicidade. Em vários momentos surge uma vontade de abraçar essa mãe homofóbica, criando uma empatia por alguém que possui opiniões que eu mesmo condeno.
Mesmo que de forma relutante a protagonista acaba sendo afetada e se envolvendo com o convívio doméstico que possui com a filha e “aquela menina”, todas se apoiando nas situações que surgem e as agridem.
A mudança dos valores que essa mãe acredita vai acontecendo a passos curtos, e chega ao final sem atingir um patamar de certeza, e sim de uma personagem se colocando em dúvida, o que torna o livro de Kim Hye-Jin ainda mais próximo do real.
“Sobre Minha Filha”, Kim Hye-jin:
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