Arte, filosofia e loucura


MELHOR LEITURA

“Na Sala dos Espelhos” traz investigação histórica sobre a obsessão coletiva pela beleza

Liv Strömquist, mais uma vez, cria obra genial em formato de quadrinhos

MELHOR LEITURA

“Na Sala dos Espelhos” traz investigação histórica sobre a obsessão coletiva pela beleza

Liv Strömquist, mais uma vez, cria obra genial em formato de quadrinhos


Avatar de Hernandes Matias Junior

É comum pensarmos em quadrinhos como um gênero restrito ao entretenimento, representando uma literatura, digamos, menor. Essa percepção faz sentido quando pensamos que os quadrinhos mais famosos são de fato aqueles que contam histórias de super-heróis, tendo como público-alvo crianças e adolescentes. No entanto, algumas obras conseguem subverter. “Na Sala dos Espelhos”, da artista sueca Liv Strömquist, mostra como o gênero quadrinhos pode ser flexível e abordar temas tão complexos que seria difícil imaginá-los em outro estilo que não seja em um artigo acadêmico.

Com um título tão sugestivo quanto “Na Sala dos Espelhos”, Strömquist mergulha fundo nas águas turbulentas da nossa obsessão coletiva pela beleza. Mas chamar este livro de simples ensaio sobre a estética seria como dizer que uma tempestade é apenas uma chuvinha. Mais do que isso: a obra é uma investigação acerca da autoestima, da saúde mental e da história da estética, tudo embrulhado em uma embalagem de quadrinhos coloridos que parece tão ingênua quanto é inteligente.


Envie exemplares para serem resenhados e apoie o nosso site independente. Informações »


Strömquist não apenas descreve o problema, ela o dissecou, expondo suas raízes em nossa sociedade contemporânea de maneira provocadora e incisiva. Ela ataca o patriarcado como um matador experiente, desmascarando a pressão social sobre a aparência e a incessante busca pela imagem perfeita em um mundo onde as selfies reinam supremas. Essa obsessão, diz Strömquist, se justifica: numa era em que nossos relacionamentos começam por meio de aplicativos, ser bonito já não é o suficiente; é preciso ser bonito na foto.

Por meio de uma narrativa que oscila entre o humor e a reflexão profunda, Strömquist nos guia por um labirinto de espelhos onde nos vemos, muitas vezes de forma desconfortável. Essa mescla entre humor e análise sociológica faz com que a obra seja instigante, capaz de atingir um público que seria difícil ler sobre o assunto se ele fosse apresentado em texto corrido. Strömquist nos força a confrontar nossas próprias inseguranças e ansiedades, revelando como a fixação pela aparência está intrinsecamente ligada à nossa busca por validação e aceitação: a obsessão pela beleza não significa querer apenas ela em si, mas todos os benefícios que ela traz, como, principalmente, o amor.

Ao longo das páginas, Strömquist tece uma tapeçaria complexa, entrelaçando filosofia e cultura pop para construir uma análise afiada dos ideais de beleza ao longo dos séculos, usando como referências de Byung Chul-Han a Kylie Jenner. Ela nos leva a uma viagem pela história, desde os tempos de Rousseau até a era do Instagram e do TikTok, destacando como os padrões de beleza são moldados e perpetuados ao longo do tempo.

Mas “Na Sala dos Espelhos” não é apenas uma crítica contundente da sociedade contemporânea; é também um convite à reflexão e à ação. Strömquist nos desafia a questionar nossos próprios padrões e preconceitos, a desafiar as normas impostas e a redefinir o que significa ser verdadeiramente belo em um mundo obcecado pela imagem.

“Na Sala dos Espelhos” é uma obra provocadora, uma chamada de despertar para uma sociedade obcecada pela superfície em detrimento da substância. E, acima de tudo, é uma voz poderosa em um coro de dissonância, clamando por uma mudança tão necessária quanto urgente, um problema que não parece ter uma solução.


“Na Sala dos Espelhos”, Liv Strömquist

Quadrinhos na Cia

Avaliação: 5 de 5.

Deixe um comentário

Comments (

0

)

Site desenvolvido com WordPress.com.